Questão: 100317 - Português em Geral - Banca: - Prova: - Data: 01/01/2023

NÃO DESPERTEMOS O LEITOR

Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.
"A vida é um fardo" - isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: "disse Bias". Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, deviam ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituiçôes. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista:
"O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!"
O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.
(QUINTANA, Mário. Prosa & Verso. 6. ed. São Paulo: Globo, 1989, p. 87)
O texto, ao mesmo tempo bem-humorado e amargo, de Mário Quintana, apresenta seus nexos a partir da seguinte ideia básica:

  • a
    Os leitores no Brasil são em regra acomodados e afeitos a lugares-comuns, o que justifica uma literatura convencional e bacharelesca.
  • b
    Os escritores no Brasil têm o dever de se conformar aos padrôes ideológicos e expressivos dominantes no nosso bacharelismo, ajudando a assegurar a continuidade do nosso status quo.
  • c
    O poder no Brasil é exercido de forma anacrônica e conservadora, traduzindo-se culturalmente em preguiçoso bacharelismo literário.
  • d
    O Brasil tem uma sociedade estável e, no fundamental, bem estruturada, propiciando uma literatura e uma cultura em que o lugar-comum não se torna vicioso, pois é expressão de um consenso ideológico mais geral.
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