Questão: 3187 - Interpretação e Linguagem - Banca: - Prova: - Data: 01/01/2023

De Meca e de lucros
Um dos grandes trunfos do capitalismo (e do Ocidente, seu quartel-general) é a imensa capacidade de digerir adversários e até inimigos e devolvê-los ao grande público como produtos, como "business". O exemplo mais antigo é o da efígie de Che Guevara. Vivo, era um combatente anticapitalista. Morto, virou imagem em "t-shirts" e lucro para os fabricantes.
Exemplo mais imediato está na página A9 da Folha de ontem: um jovem libanês banhado em sangue depois de cortar a cabeça com a espada na Ashura, o ritual que marca o martírio do neto do profeta Maomé. O sangue soará como aberrante para boa parte dos ocidentais (a mim não, desde que não custe sangue alheio). Mas o respeito ao ritual ancestral não impede que o jovem, ainda ensanguentado, fale ao celular, hoje o mais disseminado símbolo do consumismo (em tese a antítese do martírio) e da capacidade de veloz e até feroz renovação das tecnologias no Ocidente.
Não é caso único: o jornal espanhol "El País" relata o avanço na Europa dos produtos "halal" (lícitos segundo os preceitos do islamismo). À primeira vista, é o triunfo da tradição sobre o modernismo (suposto ou real) representado pelos métodos ocidentais. Mas, à segunda vista, o "boom" do "halal" é fruto do desejo da terceira geração de islamitas na Europa de, em mantendo tradiçôes, poder consumi-las nos supermercados, como qualquer europeu, em vez de ser obrigado a fazê-lo em pequenas lojas de pequenos guetos.
Aí surge o espírito animal do capitalismo para atendê-los. Lógico: a fatia de mercado para esse tipo de produto é de US$ 18 bilhôes. Até porque não há fiscalização suficiente para saber se o frango, por exemplo, foi degolado olhando para Meca, uma das condiçôes de ser "halal". A Meca para a qual olha o capitalismo é o lucro.
(ROSSI, Clóvis. Folha de S. Paulo, Opinião, 01 fev. 2007.)
Nesse texto, Clóvis Rossi:

  • a
    considera positiva a forma como o capitalismo procura preservar as tradiçôes.
  • b
    demonstra seu desprezo pelas estratégias capitalistas de abrir mercados.
  • c
    recebe com otimismo a constatação da entrada dos islamitas ao mundo ocidental.
  • d
    defende a necessidade de compreendermos as tradiçôes culturais dos outros povos, desde que não provoquem derramamento de sangue alheio.
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